Já é bem conhecida a situação social e política que o Zimbabué vive desde alguns meses antes das eleições presidenciais que tiveram lugar este ano, mas não me parece de mais contar esta história da minha perspectiva n’esta versão dos factos.
A personagem principal desta história é um vilão, Robert Mugabe, que governa o país há 28 anos, pela única forma de se governar um país durante tanto tempo, através de uma ditadura.
Entretanto surgiu uma personagem que desempenha o papel de salvador de um país, e que trouxe a esperança da sua libertação, pela pessoa de Morgan Tsvangirai, tendo este ganho a primeira volta das eleições presidenciais pelo MDC (Movimento pela Mudança Democrática – princípal partido da oposição).
No entanto, entre a realização da primeira e da segunda volta das eleições, Mugabe, à cautela, trocidou (em muitos casos literalmente, recorde-se que durante este período terão sido assassinados 122 militantes do MDC) a oposição. Mandou torturar e matar apoiantes e militantes do MDC, e o exército e as mílicias daquele país cumpriram as ordens que pelo terror que criaram conseguiram levar Morgan Tsvangirai a desistir das eleições, não só por receio e para proteger os seus, mas também para denunciar claramente a ilegitimidade daquelas eleições ao Mundo.
Mugabe esfregou as mãos de contente e o Mundo avisou-o de que não aceitaria o resultado daquelas eleições, pelo que não reconheceria a sua legitimidade como presidente daquele país. A comunidade internacional pressionou fortemente o presidente ditador, como todos assistimos, e Mugabe, de tão pressionado que andou deve ter andado perto da mais profunda depressão...
No país manda ele, e dispõe inclusivamente sobre quem merece viver e quem não merece outra sorte que a morte, discreta, como se quer, e tanto quanto se consiga, mas cruel o suficiente para dar o exemplo. Dispõe igualmente sobre como devem pensar aqueles a quem ele permite viver e incumbe, volta e meia, o exército de explicar ou relembrar às populações (pelas formas e estratégias conhecidas) de que forma devem pensar, ou onde por a cruz no boletim de voto, como se viu, entre outras explicações que o energúmeno povo volta e meia precisa para permitir que um país ande para diante.
E a comunidade internacional, essa suma entidade que assume a hercúlea tarefa de zelar pelo bem maior de todo o mundo em geral, e de cada país em particular, fez o seu papel. E “papel” foi uma palavra bem escolhida, uma vez que se estamos a falar do teatro internacional e das suas personagens. Por um lado, tem de defender os Direitos Humanos que tão bem soube proclamar, sob pena de haver prejuízo para a sua imagem, dadas as constantes violações que lhes são feitas, ainda por cima, registadas por câmaras de televisão que, para o bem e para o mal, são os olhos do Mundo. Assim, não pôde a comunidade internacional permanecer complacente, com uma imagem serena, e dizer ao Mundo que se deixe de ingenuidades e utopias, existem sim Direitos Humanos, mas estes são, ainda, apenas, direitos do Homem do primeiro mundo, chamámos-lhe Declaração Universal porque alguém achou mais pomposo. Não… Não pode fazer isto, a política também tem os seus impossíveis. Tem de se ver uma atitude de repulsa por parte dos líderes mundiais, como se viu, e convém até que essas imagens ocupem mais espaço nos telejornais do que o linchamento e o funeral dos apoiantes do MDC, das vítimas de Mugabe, é que como é sabido, os olhos do Mundo também são impressionáveis e não toleram olhar com demasiada atenção, nem durante imoderado tempo para obscenidades e desgraças destas, preferindo, como acontece determinadas vezes, focar-se antes, como subterfúgio, em hipocrisias e boas intenções, das quais, não devemos esquecer, também o Diabo está cheio.
Então lá se tomaram medidas, porque os líderes mundiais são homens de acção. Decidiram não reconhecer a legitimidade de um dirigente de um Estado a quem ninguém (excepto, os países africanos, uma vez que são seus vizinhos e podem sofrer consequências a vários níveis da crise do Zimbabué) reconhece qualquer importância no panorama político-económico mundial, ainda que o homem, o vil ditador, continue a pôr e dispor conforme quer no país que governa há 28 anos, e cuja Administração, ao que parece, coube ao Diabo, quando Deus e o Satanás repartiram os países a fim de definirem que países ficariam sob sua Administração respectivamente (segundo parece, Deus ficou responsável por um maior número de países situados no norte do Mundo, e o Diabo com um maior número de países no sul do Mundo, mas estas são considerações que aqui não cabe desenvolver).
De qualquer forma, podia acontecer que os líderes mundiais levantassem mais a voz, uma vez que estas questões lhes tiram o sono, e uma pessoa que não durma sofre por norma de uma dose de irritação mais elevada, e impusessem ao Zimbabué algumas sanções económicas durante algum tempo, visando fragilizar a posição do ditador. Contudo, não é líquido que isto aconteça. A questão cairá no esquecimento dentro em breve, se é que não caiu já, e é incontestável a enorme dificuldade de saber se não se prejudica com estas medidas mais o povo do que o regime e o ditador, que é como quem diz, se não paga mais uma vez o justo pelo ditador.
Quanto a enviar uma força armada internacional de paz por todos os motivos e mais alguns não foi uma hipótese colocada em cima da mesa. Quanto a mim, ainda bem, dado que uma boa decisão pode ser uma má decisão quando tomada pelos motivos errados.
A meu ver, não encontrou a comunidade internacional, interesses que justifiquem uma intervenção militar de paz, o que parece um contra senso mas é verdade, uma vez que as forças de paz são forças militares, e doutra maneira não poderia ser, pois do lado dos vilões há sempre armas quanto baste, ou muitos bolsos não andariam a transbordar de dinheiro (mas deixemos estas questões laterais), e como forças militares são demasiado dispendiosas tendo em conta o fim a que se destinariam.
O Zimbabué não terá muito para oferecer a quem o libertar, e o libertador não encontrará com o que se pagar da sua meritória e altruísta intervenção.
Há é certo uma democracia por implantar, mas essa servirá apenas aqueles que através dela poderem viver e votar livremente (e esperemos que mais livremente que os Irlandeses para quem haverá provavelmente uma segunda volta, de modo a que, depois de reflectirem, possam livremente votar no Sim ao Tratado de Lisboa, como a diligente Europa lhes está a tentar ensinar).
Quanto a mim, também pouco mais há a fazer do que deixar o país arder como inferno em que se tornou… Sei que é uma opinião que parece despropositada, mas a verdade é que defendo que se não é admissível a imposição de uma ditadura a um povo, também não acho que seja desejável que a democracia seja imposta por uma comunidade internacional que, segundo penso, não tem qualquer legitimidade para interferir no futuro de um país (como não tinha no Iraque, entre outros exemplos em que o nosso tempo é rico, mas nesses casos houve interesses político-económicos que sustentaram o gesto que não tem preço de oferecer a uma nação a democracia).
Não gostava de ser mal interpretado e de passar a ideia de que deve o povo do Zimbabué ser votado ao abandono e deixado à mercê de Mugabe. O que penso é que do mal das ditaduras devem ser os próprios povos por elas subjugados a libertarem-se. É, em minha humilde opinião, um processo de crescimento de um país. É o povo que tem que dizer não à ditadura, é o povo que tem que derrotar Mugabe (se não o fizer, entretanto o fim dos seus dias também chegará). Terão de nascer revolucionários, novas correntes de pensamento, gente de convicções, mártires, companheiros, combatentes da opressão, soldados civis que se disponham a lutar por um futuro melhor, ainda que o preço dessa luta possa ser a própria vida, gente de esperança, generais sem medo, e gente rara como esta, para que o Zimbabué se liberte e não deva a sua libertação a mais ninguém que a si mesmo, ao contrário do que acontece com o agora “democrático, pacifico e estável” Iraque.
Entretanto projectam-se acordos para que o agora generoso ditador possa delegar o Governo ao salvador Morgan Tsvangirai, mas esses acordos têm falhado. O ditador pretende não ser julgado pelos seus crimes, e provavelmente conseguirá escapar às malhas da justiça, mas como não estou a par dos últimos desenvolvimentos mais não posso contar. Outro dia, talvez, contarei o resto…