sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Uma vez cansado, ou se desiste ou se resiste.

"Foi um homem cansado que montou o cavalo e se deixou arrastar, abúlico, à volta do picadeiro, mas depois aprumou-se (ao ocorrerem-lhe determinados pensamentos relacionados com o Povo) cheio de energia, puxou as rédeas, chamou a si o cavalo e deixou-o banhado em suor; foi um homem novo e recomposto que saiu do picadeiro."

in Histórias de Almanaque
Bertold Brecht

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Mendigo

O mendigo estava sentado no chão, encostado a uma árvore do jardim. Olhou nos olhos do seu cão e perguntou-lhe:
- Como é que eu posso ser mais vadio do que tu?... - O cão ladrou. O mendigo fez-lhe uma festa na cabeça. Depois olhou pelo canto do olho para o vendedor de castanhas, apetecia-lhe comer uma dúzia de castanhas, mas resistia à tentação. Depois, voltou a olhar para o cão e disse-lhe:
- Bem, vou trabalhar, se não, não teremos o que dividir ao jantar... Guarda as nossas coisas. - e dito isto levantou-se, depois mirou as pessoas que atravessavam o parque e decidiu abordar um homem de fato que vinha na sua direcção.
- Desculpe...
- Não me diga nada que hoje acordei em dia não. - Disse o homem em tom ríspido.
- Eu há sete anos que acordo em dia não. - O homem deteve-se, olhou para o mendigo e decidiu dar-lhe as três moedas que tinha no bolso. O mendigo sorriu e agradeceu. De seguida dirigiu-se a duas raparigas, provavelmente estudantes, e pediu:
- Por favor, ajudavam-me com qualquer coisinha? - Tinha por convicção que o diminutivo fazia com que custasse menos às pessoas dar-lhe a esmola. Uma das raparigas empinou o nariz e disse resoluta:
- Eu até lhe dava sabe?... Mas não posso, se não atraso a revolução! - O mendigo ficou a atónito. Pensou: "Que consciência social...", e voltou para perto do cão.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Desencontros

Eu era pó, fui terra, e depois pedra, e vi-te no céu. Tu eras estrela, e tu, não me viste, e eu ,enquanto brilhavas, discreta, sózinha, entre todas as estrelas, num enorme momento só meu, apaixonei-me por ti...

E depois fui lume, fui chama, fui paixão, e tu desaparecias com o nascer do dia, e aparecias com a noite. E eu ardendo tornei-me cinza, pó de novo, e com o vento fui poeira. Até que, voltei a assentar, e quando as chuvas vieram, fui um riacho, depois rio, e mais tarde mar, e do cimo das ondas olhava para ti à noite, e tu, nunca me viste...

E tudo o que eu queria era poder chegar mais perto de ti, poder falar contigo, conhecer-te, passar a eternidade toda a contemplar-te, e fazer tudo para te ver feliz. Por isso, quando amanheceu e tu desapareceste, eu aproveitei uma onda maior e pus-me ao sol no areal de uma praia, e como planeado, evaporei. Quando anoiteceu eu era nuvem, e era a felicidade por estar tão perto de ti quanto me era possível, e contemplei-te durante muitas noites, durante todas as noites, e tu, nunca reparaste em mim...
E hoje reparei que tu já não és só uma estrela, és parte de uma constelação, e eu sou ciúme. E tu és amor, e eu sou respeito. E tu és proíbida, e eu cobarde. E tu não me vês, e és estrela e nunca poderei chegar mais perto de ti...
E hoje eu sou a trizteza toda, a precipitação...
Hoje sou lágrima...
Mas volta e meia, voltarei a comtemplar-te quando a noite cair.